09 fevereiro, 2011

02 fevereiro, 2011

ADEUS, JORGE COELHO

Hoje quero deixar aqui o testemunho de um senti­do adeus a um amigo de infância.
Jorge Coelho partiu para sempre. De repente, sem que tivéssemos tempo para imaginar o mundo sem ele. Uma dor de cabeça insuportável, uma ambulância a caminho do hospital, a equipa médica lutando, dispu­tando à morte o que ela sem aviso decidira. Mas Jorge já ali não estava, deixara para trás o corpo conhecido, partira para sempre.
Deixem-me personalizar um pouco - os pormeno­res pessoais são a imagem de todos nós, seres de di­mensão social, colectiva. A dor de cada um é a dor de todos homens que sabem que vão morrer mas nunca se conformam. E choram os que vão primeiro.
O Jorge nasceu no mesmo dia e ano que eu e minha irmã Cândida: 8 de Outubro de 1947. E na mes­ma terra: Alpiarça. (Curiosidade: anos mais tarde sou­be pelo Jorge que o grande guarda-redes do Sporting. Vítor Damas, recentemente falecido, também nascera nesse dia e ano...)
Andámos juntos na escola primária e no Externa­to de S. Paulo. Foi na bicicleta do Jorge (melhor: da mãe do Jorge, D. Noémia, que já a não usava) que aprendi a pedalar. Foi com o Jorge que passei o melhor mês de férias da minha vida, na Nazaré, tínhamos p'raí uns onze ou doze anos. O Jorge era de uma alegria transbordante. Ria, brincava, seduzia as meninas sem dar por isso, era um miúdo mas tinha já presença de senhor, impunha-se naturalmente pela personalidade. Quando parecia muito sério, às vezes até intimidava. Logo depois o riso estalava e com ele desencadeava--se uma empatia que não deixava ninguém indiferente.
As voltas da vida separaram-nos no limiar da ida­de adulta. Caminhos paralelos mas sem contacto.
Licenciámo-nos os dois em História mas em anos dife­rentes porque ele começara por frequentar Direito. Tornámo-nos professores dessa disciplina, ele em Setúbal, eu em Torres Vedras.
Encontrei-o há poucos anos na cidade onde ele trabalhava, num Curso de Formação. Encontro breve, com promessas de reencontros futuros. Cada um de nós estava muito ocupado em projectos profissionais. Talvez à espera da reforma para nos encontrarmos com tempo, conversamos, conhecermos os nossos filhos.
Vês, Jorge? Agora tudo é definitivo. Já não pode­mos voltar atrás, pôr a conversa em dia. Recordar o dia em que me desafiaste para ver quem chegava primeiro a Vale de Cavalos, nós a pedalarmos que nem doidos -pouco mais havia para fazer naquelas tardes de Do­mingo, pelo Outono, quando os campos de Alpiarça se esbatiam de melancolia e nós sonhávamos com vidas futuras, noutros lugares mais urbanos e animados. Vejo--te ainda, defesa central da equipa de futebol do Colé­gio, imponente, a dominar a área. E eu, de estatura mediana e mais franzino, invejando o teu porte atlético e gritando para dentro do campo: «Boa, Jorge, boa!...
Dormes agora um pouco mais ao sul da terra onde nascemos. Estás perto do lugar onde vivem os teus alu­nos, os teus amigos da idade adulta, aquela gente imen­sa que te acompanhou, emocionada e muda, à terra do repouso final e onde já não tive coragem para entrar. Prefiro recordar-te, alegre e triunfante quando foste o primeiro a chegar da nossa corrida naquela tarde de Outono.
Mal sabia eu que, muitos anos depois, voltarias a chegar primeiro. Desta vez à meta para onde todos corremos inexoravelmente.

(Publicado no VOZ DE ALPIARÇA em15 Novembro 2003. Jorge Coelho faleceu em Setúbal, vítima de AVC, em 19 de Outubro do mesmo ano.)

COM ESTE ADEUS  SENTIDO A JORGE COELHO, ESCRITO PELO AMIGO JOAQUIM MOEDAS DUARTE, QUEREMOS ENGLOBAR TODOS OS COLEGAS QUE JÁ NOS DEIXARAM, E QUE VAMOS TAMBÉM RECORDAR NESTE ENCONTRO.